A 4ª Revolução Industrial e os desafios do setor público

A 4ª Revolução Industrial e os desafios do setor público

Você sabe o que é a 4ª Revolução Industrial ou Indústria 4.0? No texto de hoje, vamos falar um pouco sobre os impactos dela e a sua relação com o setor público. Entretanto, antes de falarmos sobre a quarta revolução, precisamos entender o que foram as três primeiras. A 1ª Revolução Industrial ocorreu no século 18 e 19, foi nesse período que métodos de produção artesanais foram substituídos pela produção por máquinas. Também foi neste momento que as máquinas a vapor foram introduzidas no processo fabril. Já a 2ª Revolução Industrial, que começou na metade do século XIX e terminou logo após a Segunda Guerra Mundial, veio acompanhada da introdução da energia elétrica. Por fim, a 3ª Revolução Industrial marca o desenvolvimento de semicondutores, mainframes, dos computadores pessoais e da internet. Esta última fase durou até meados de 2000, quando chegamos ao momento seguinte da evolução tecnológica humana.

Consideramos a 4ª Revolução Industrial o momento da chegada do crescimento exponencial da capacidade de computação e a combinação de tecnologias físicas, digitais e biológicas. No setor agrícola, por exemplo, o uso da biotecnologia e da edição genética amplia consideravelmente a produtividade das plantas. Nas fazendas, robôs e drones com sensores conectados à internet, mecanismos de reconhecimento de imagem e inteligência artificial são capazes de identificar com antecedência doenças, pragas e condições ambientais adversas. De acordo com Regina Magalhães, gerente sênior de Sustentabilidade e Inovação para a América do Sul na Schneider Electric e Annelise Vendramini, ambas professoras da FGV EAESP, um dos pontos fortes da indústria 4.0 é que “as novas tecnologias podem contribuir para tornar a produção industrial mais eficiente, com redução de uso de recursos naturais, de geração de resíduos e de consumo de energia.” Além disso, “inteligência artificial, robótica e blockchain vêm também sendo utilizados para monitorar fauna e flora, poluição, certificação de origem e controle de cadeias de fornecimento. Por exemplo: o Walmart monitora com blockchain a cadeia de carne de porco produzida na China; a Everledger (especializada em redução de fraudes) certifica diamantes com smart contracts e machine vision; e a plataforma Provenance usa as novas tecnologias para tornar cadeias produtivas mais transparentes, por exemplo, evitando a compra de atum pescado com trabalho escravo.”

No entanto, de acordo com as pesquisadoras, em artigo publicado na GV Executivo, “as tecnologias digitais são pouco difundidas na indústria brasileira. Pesquisa com empresários do setor realizada pela consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) mostra que, no Brasil, apenas 9% deles acreditam ter nível avançado de digitalização, enquanto no México e na China esse percentual é de 40%. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), no Brasil, buscam-se melhorias incrementais e aumentos de eficiência e de produtividade. Raramente se aproveita o potencial das tecnologias para promover mudanças disruptivas, como desenvolver novos produtos ou novos modelos de negócios. Falta conhecimento sobre quais tecnologias são as mais adequadas para cada empresa. Os altos custos de implantação e a baixa qualificação da mão de obra são outros fatores limitantes.”

E onde entra a gestão pública neste cenário? De acordo com Tadeu Saravalli, especialista em Gestão Pública pela UFScar e mestrando em Ciências Sociais pela UNESP, “a gestão pública deve se adequar com certa velocidade para se tornar um facilitador dos novos modelos de vida na era da indústria 4.0.” Já David Lye, diretor e sócio da Sami Consulting, a 4ª Revolução Industrial “confronta os governos com um cenário de boas e más notícias. Do lado positivo, ajuda os governos a fomentar uma economia aberta e flexível, baseada no conhecimento e na competência; promove o comércio fora dos blocos comerciais tradicionais; melhora a eficiência e a efetividade dos sistemas de saúde e assistência social; e oferece uma vantagem “de principiante” nos setores de defesa e segurança para aqueles que usarem melhor as novas tecnologias. (Do lado negativo) os governos podem se ver cada vez mais impotentes em relação às megacorporações devido à “nova” demanda exigida da sociedade. ”

Um ótimo exemplo desta relação entre as disrupturas da quarta revolução e da gestão pública, são as soluções off-grid (citada no texto “Inovação social: O que é e como podemos conectar com serviços públicos”). Atualmente já existem diversas soluções off-grids (fornecimento de energia desconectados da rede pública), que tornam a distribuição e o acesso a energia elétrica muito mais amplos e com menos impacto ambiental. Na Índia, a Gram Power, por exemplo, instala sistemas de microgrids inteligentes para a geração de energia renovável local. No Brasil, a Cruze promove a instalação de sistemas fotovoltaicos em escolas públicas, para economia de energia e realocação do recurso em demandas educacionais.

“Se os órgãos governamentais forem muito lentos para adotar novas tecnologias, não conseguirão gerar os ganhos de eficiência necessários para manter os serviços públicos e ainda irão prejudicar a reputação do governo. Médicos do Reino Unido afirmaram que uma das reclamações mais comuns dos pacientes atualmente é não conseguirem acessar Wi-Fi de qualidade nos hospitais e clínicas. Uma população tecnologicamente esclarecida não terá paciência com serviços públicos analógicos”, afirma David Lye. Aqui no Brasil também vivemos este mesmo problema.

Nesse sentido, os desafios da gestão pública na 4ª Revolução Industrial não terminam aí. José Matias-Pereira, professor-doutor de administração pública e finanças públicas, da Universidade de Brasília, faz o alerta: “Deve-se ressaltar que, essas transformações irão provocar a extinção de inúmeras atividades nas administrações públicas, em especial as carreiras operacionais, como atendentes, motoristas, analistas de dados, bibliotecários, advogados, contadores, auditores, entre outras, cujas atividades serão substituídas por programas e robôs capazes de realizar esses trabalhos com muito mais eficiência e rapidez. Novas carreiras, algumas que ainda desconhecemos, também serão criadas no setor público.” Matias-Pereira ainda completa: “É preciso alertar, por fim, que para o Brasil se beneficiar desse inexorável mundo novo será necessária à realização de mudanças estruturais e culturais na gestão pública. As aplicações das novas tecnologias advindas da 4ª revolução tecnológica permitirão a elevação da produtividade e da competitividade na administração pública brasileira, e os seus efeitos benéficos irão refletir no funcionamento da economia, na redução da burocracia e na oferta bens e serviços públicos de qualidade para a população.”

Imagem Destaque – Por jamesteohart/Shutterstock